terça-feira, 3 de junho de 2014

Morador

                    Por Isabela Lisboa

Meu nome é Saudade. Sobrenome?
— Não sei, não
A rua é minha casa
onde o teto é papelão

Minha cama é a cidade. A comida?
— O que me dão
Visto cobertor e asa
e me banho de ilusão

Ou realidade?
— Quanta confusão!
Tanta gente junta só
e eu só com a solidão.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Uma lição: a gente nunca sabe.

  • livy
  • A gente nunca sabe o que o outro precisa.
    Mas saber, a gente não sabe.
    A gente pergunta, a gente tenta, a gente inventa.
    Algumas pessoas passam pela nossa vida, mesmo como figurantes. E nós tentamos descobrir o que elas precisam. Como podemos fazer ali uma papel maior do que a do passante que não repara. Nem sempre, no entanto, é possível descobrir.
    Frustrante ou não, uma outra lição é aprender a respeitar o espaço do outro. Sem saber porquê uma conversa ou um abraço foi rejeitado, temos que aprender a ir embora, resguardar quem prefere ser resguardado.
    Algumas vezes, sair às ruas é assim. Não encontramos como, nem onde ajudar. Não encontramos quem nos ajude tampouco. E o respeito pela vontade do outro é maior.
    Um escritor visto diariamente na Consolação não quis nenhum tipo de aproximação. Nossas lombrigas loucas pelos textos alheios reviraram nossos estômagos cheios.
    O Robinson, catador de latinhas, também não quis papo. Só insistiu em que fôssemos conhecer sua amiga, que com certeza era minha mãe de tão parecidas que somos. É o jeito, a fisionomia!
    A gente nunca sabe o que o outro precisa.
    A gente tenta, a gente inventa. E parte do processo é, às vezes não chegar lá.
    ,

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Uma Coca-Cola e um pacote de bolachas

Uma Coca-Cola e um pacote de bolachas
Por Ariadne Senna

  Ele estava sentado tomando uma Coca-Cola e com um pacote de bolachas nas mãos. Sentei-me ao seu lado e começamos a conversar.
  Seu nome era Emerson e disse que vinha com frequência para aqueles lados da Rua Consolação. Contou-me que, apesar dos seus 43 anos, ainda mora com a sua mãe em um apartamento que fica próximo ao cruzamento da Alameda Santos com a Rua Pamplona. Comentou que gosta de viver com a sua mãe pois ela já o ajudou várias vezes e não tem vergonha de dizer que a ama muito e que é muito agradecido por tudo que ela já fez por ele.
  Perguntei se ele nunca havia se casado e ele respondeu que sim, uma vez, mas que, apesar de se gostarem muito, a relação não deu certo e acabou. Disse também que teve uma filha com esta mulher, no entanto após o divórcio a mulher se mudou com a menina para outro estado e Emerson não teve mais contato com elas.
  Relata que na época acabou deixando-as ir embora mas que hoje se arrepende: “É, a gente erra nessa vida”, falou ele e emendou dizendo que até sente vontade de reencontrar a filha mas que prefere não ir atrás dela porque tem medo de ser rejeitado por não ter cumprido o seu papel de pai.
  Continuamos a conversar sobre coisas cotidianas e Emerson comentou sobre a morte do ator José Wilker, disse que até se assustou por ter sido uma morte tão repentina. Emerson contou que gosta muito de ler jornal e que, para ele, jornal tem que ser jornal do dia, pois não gosta de ler o jornal de ontem com notícias já atrasadas.
  Disse que na verdade não passa muito tempo em casa pois sai bastante e tem muitas histórias pra contar de tantas coisas que já aconteceram com ele! “A vida é difícil, mas a gente faz as nossas escolhas”, comentou ele com um certo ar de sofrimento mas certo de que a vida é a gente quem faz.
  Emerson é dependente de crack e de tempos em tempos escolhe morar na rua, criando maneiras de sobreviver e de suprir o seu vício. A Coca-Cola e o pacote de bolachas foram comprados por mim e algumas amigas a pedido dele. Em certo momento Emerson nos mostrou uma sacola de supermercado cheia de pacotes e mais pacotes de bolachas e nos confessou que não iria comer tudo aquilo mas que iria vender para comprar crack.
  Se nos arrependemos de comprar aquele pacote de bolachas para ele? Não. Porque conversamos e pudemos conhecer um pouco do Emerson e assim respeitá-lo em sua maneira de ser. “Vocês são muito gente boa, vocês só merecem a verdade”, ele disse. Nós que agradecemos Emerson, por você ter nos recebido tão bem em sua casa.

domingo, 18 de maio de 2014

convívio com a criançada

Ontem, sábado 17 de Maio, o N1 recebeu crianças do "Lar de Nazaré" para assistir a apresentação do experimento e de seguida para conversar, desenhar e trocar ideias sobre o mesmo!
Tendo como tema o criancismo, foi uma experiência muito enriquecedora! Esperamos continuar a levar essas crianças a sair mais vezes do seu espaço para assistir teatro e arte!

segunda-feira, 12 de maio de 2014

10 de Maio

Manhã de sábado do dia 10 de maio de 2014. Brisa outonal num prenúncio de dia sem sol. À espera do ônibus que me deixará na Avenida Imirim, em Santana.
Corredor da Avenida Rio Branco, travessa da Alameda Nothman.
Casacos, mãos nos bolsos, homens e mulheres aguardando o transporte.
Ao longe a figura se aproxima: um homem andando com um pedaço de madeira feito uma bengala. Esbarra, tropeça, tateia.
Seus olhos cegos não veem a cor do dia. Não enxergam nossos olhos que não desviam a atenção de sua figura.
Caminha lentamente. Mal chega e grita: “Que ônibus é esse?”
Um sujeito responde depois de longo silêncio: “Terminal Pirituba.”
O homem se prostra entre nós. Silêncio incômodo.
Aproximo-me, curvo e pergunto: “Qual ônibus o senhor vai pegar?”
Ele ergue a cabeça, os olhos encerrados no vazio, sorrindo responde: “Casa Verde ou algum outro que passe no albergue ali da frente. Eu moro na rua, sabe?.”
“Eu te aviso quando o ônibus chegar. Você mora na rua e anda sozinho por aí, sem ninguém pra te ajudar?”
“Eu e Deus! Fazer o quê, né! Cê me avisa, então?”
“Claro... ali vem um ônibus. É o seu!”
Dou sinal. O ônibus para. Levo-o até a entrada. Motorista abre a porta. O senhor pergunta se pode entrar por trás para pedir um “dinheirinho”. A contragosto o motorista permite.
Partem!
Fico ali, pensando no que acabou de acontecer. Mal tive tempo de ao menos perguntar seu nome. Com sorte consegui depositar um “dinheirinho” em sua mão enquanto ele subia as escadas.
Um senhor cego, morador de rua, negligenciado por muitos.
Encontrá-lo me fez repensar tantas coisas.
Não sei ao certo o que mudou em mim, mas saí bastante modificado desse encontro...

Por Felipe Dias Batista




Somos grãos

Marlene.
Ao mar, reme.

Lá estava ela, se banhando.
Será que ouvia o barulho das ondas?

Concreto e fumaça.
Na calçada, as pessoas continuavam seus trajetos, arrastadas como uma só massa de cegos e surdos para o grão de areia que ali estava. Uma onda de gente. Todos tão grão quanto aquele que cuidava de si em via pública, neste caso, também via particular.

Marlene estava sendo. Sendo água com quase nenhuma. Quando passamos por ela, tivemos o cuidado de esperar. Não queríamos atrapalhá-la num momento íntimo. A casa dela é a rua, o lugar de banhar-se também. Sim, ela estava tomando banho. Um galão de água umedecia um pano, o qual passava pelo corpo.
Quando nos aproximamos, num momento de pausa, ainda se banhando e completamente em casa, foi logo mostrando seu seio, disse que tinha areia e que vinha de Santos.
Durante toda a conversa, o amor por Santos e pelo mar esteve sempre presente.
Segundo ela, viaja vez ou outra para lá. Como? Não perguntamos. Penso também que não é preciso saber. O importante é que ela consegue viajar, saindo ou não fisicamente do lugar. Santos está com ela, nela.  Sustenta-a neste mundo de asfalto e concreto que é São Paulo.
Os muitos colares e anéis a destacavam, não perdeu a vaidade e o colorido num lugar que insiste em acinzentar os lugares e as pessoas.
Em um momento falou algo sobre um rádio, um rádio que só ligava quando perto do coração.
Quantas coisas realmente só ligam quando estão perto dele?
Marlene nos disse que somos fortes. Fiquei pensando na imensidão da força dela, que na conversa relatou que se esconde todas as noites da polícia para poder dormir, esconde também suas pouquíssimas coisas dentro da blusa para não ser roubada, vivendo no extremo do incerto minuto por minuto.

Ela é que é força. Imensidão.
Como o mar...


                                             Por Janina Arnaud

Mulhéres

A 5 dias do dia das Mães e exatos 5 dias depois do seu aniversário, Rosimere e eu nos conhecemos. Duas mulheres sentadas sobre a grama da Praça da República, sobre a vida. Seus desafios, seus cortes, suas viradas. Suas inesperadas piadas. A vida pega a gente de surpresa, né mesmo?
Rosi tem três filhos, cada um mora em um Estado e nenhum aqui. A filha Vitória, de 7 anos, vive em Curitiba, minha cidade. Rosi quer ir para lá, procurar a filha. Ela lembra perto de qual ponto de ônibus a casa da família que a acolheu fica. Eu acabo de voltar de Curitba. Agora já tá fazendo frio por lá.
Perdeu a mãe há quatro anos, que é ainda sua confidente e ombro. Ela passou parte dos dias deste mês em um quarto de pensão, mas o ambiente a fazia lembrar muito da mãe e preferia sair às ruas.
Como eu, Rosi já teve três maridos. Como eu, ela pensa em se separar graças à falta de carinho. Eu não amo ele, eu gosto dele. Como que a gente pode amar alguém que não faz carinho?
É o que eu sempre me perguntei.
Rosi frequenta a Igreja Mundial, mas pensa em sair de lá. Ela precisa de ajuda financeira para ir para Curitiba e esta Igreja não oferece.
Rosi, cê tem mesmo é cara de feiticeira.
Ela pressentiu que estava grávida as três vezes e agora pressentia de novo, o que a impede de se separar. Ela conversa com a mãe. Adivinha as caduquices do marido. Adivinha as minhas próprias.
Não, você diz isto por causa do cabelo!
Um cabelão preto azulado, pintado há pouco, como o ruivo meu.
Eu gosto é de cabelo vermelho, mas na Igreja não pode.
A Rosi é linda, uns olhos expressivos entre o verde e o castanho. A moldura de cabelos negros e mágicos. Um sorriso aberto e grande, faltando um dentinho que conta que a vida não foi fácil até ali.
Você é nova, sim! E nem parece 42! Nem aqui, nem na China!
Rosi quer ter seu próprio negócio. Ganhar 12 mil por mês e ter novas roupas. Em Curitiba, quem sabe.
Eu não gosto de me arrumar. Na rua, não dá. Eu não quero ninguém, sabe?
A Rosi já teve muitos nomes, muitas moradas, muitas vidas.
Ela, como eu, se prepara para uma nova. Que ninguém sabe qual, nem onde, nem por quê.

livy